Saturday, November 06, 2004

Pato Donald 1

Todos os “Quacks” Dele
(por Aidam Johnson, do jornal “The National Post”, 29/junho/01)
Na América do Norte, ele é um retrógrado pato dos anos 30, metido num paletó de marinheiro e jeito estabanado. Mas, na Finlândia, o Pato Donald é uma estrela de rock.
Assim que eu saltei do avião no aeroporto de Helsinque, rápido como um quack, a garota que sentou ao meu lado desde a decolagem sacou um celular do Pato Donald.
“Legal o telefone do Pato Donald”, eu disse rindo.
“Não é Donald! É Aku Ankka!”, ela retrucou furiosamente e saiu injuriada.
Aku Ankka? Seria o jeito finlandês de dizer “sai pra lá, eu tenho namorado”? A resposta veio logo que eu me dirigi ao quiosque próximo à esteira de bagagens para comprar goma de mascar. Eu dei uma conferida na fileira de rostos risonhos da banca de revistas: George Bush, Pato Donald, membros de uma banda sensação da MTV nórdica, The Rasmus, Pato Donald, Oprah, Pato Donald e, lá, emoldurado em cada capa de gibi “Aku Ankka”! O nome do Pato Donald na terra do Sol da Meia-Noite, minhas primeiras palavras em finlandês.
Eu aprendi rapidamente que “As Aventuras de Aku Ankka” é a revista de maior circulação na Finlândia.
Poucos dias depois, eu encontrei o vice-prefeito de Savonlinna (uma pequena cidade finlandesa mais conhecida pelo seu famoso festival de ópera).
A figura na gravata de seda dele mostrava o Donald numa postura militar de guerreiro do rei São Olaf, o santo padroeiro de Savonlinna, sua lança viking apontada desafiadoramente para a bandeira soviética. Todo o entrevero da Finlândia com a Rússia no séc. 20, resumido numa listra numa gravata de seda decorada com Disney.
“Eu troquei minha concha de sauna favorita pela gravata do marido da presidente da Finlândia (Tarja Hallonen), o vice-prefeito disse com voz grave.
Nem todos os políticos finlandeses amam o Donald como em Savonlinna: em 1974, o conselheiro da cidade de Helsinque, Markku Holopainen perdeu uma aposta para o Eduskunta (o parlamento nacional) após seu oponente estigmatiza-lo com sucesso como “o homem que baniu Donald”. Acontece que Holopainen instalou, certa vez, um comitê que eliminou das bibliotecas públicas o “desperdício” das assinaturas da revista Aku Ankka.
Os tablóides finlandeses passaram a publicar que Holopainen tinha objeções morais contra a vida sexual do Donald – “Donald, você é casado com a Margarida, ou não?” – e uma rixa com o fato de que Donald aparentemente não usa calças.
No museu de Cultura Sami (Laplander), eu vi uma histórica oportunidade de vincular a primeira tradução do gibi do Pato Donald em linguagem Sami à chegada do Cristianismo á Finlândia e o fim da II Guerra Mundial. Em Stockman´s (centro comercial chamado West Edmonton), eu encontrei uma versão ricamente ilustrada do épico finlandês Kalevala estrelado pelo Donald como o herói bardo Vainemonen. Eu escrevi aos meus pais solicitando mais pares de meias pretas num cartão postal decorado com um dos cinco selos mais vendidos do Pato Donald.
A minha epifania mais chocante aconteceu quando eu fixei o olhar numa inscrição em um banheiro público que mostrava “Duck Dauphin” esfregando vigorosamente sua cauda numa banheira dourada Luiz XIV, eu entendi subitamente que o Donald era a encarnação “sisu”, aquele jeito peculiar e único dos finlandeses, que não tem tradução na língua inglesa. “Sisu” é uma característica inata da coragem que os finlandeses associam com soldados destemidos, bravos primeiros-ministros, alpinistas determinados, pessoas que se lançam direto da sauna aos lagos congelados ou bancos de neve. Oscilando por um milênio entre as hegemonias da Rússia e Suécia, a Finlândia pode somente admirar um pato temerário que reinvindica uma banheira Versalhes como seu lago particular.
Comenta-se nas ruas que a Nokia está procurando um novo CEO. Aposto em Aku.
(Aidam Johnson é editor emérito do jornal estudantil da Universidade de Toronto Varsity)
Tradução: Neusa Cesar (Sao Paulo, Brasil)